Fica bem no centro da capital, defronte ao palácio da Presidência da República. É uma herança colonial esta praça que habita a memória colectiva dos bissau-guineenses. Bem no centro da Praça, está implantada a imponente estátua de uma mulher segurando uma coroa de oliveira, o tal "esforço da raça", marco do "Império Colonial Português". Por essarazão, não poucas vezes as autoridades guineenses tentaram arrancar a estátua da praça. Em vão. Parecendo fazer jus ao nome, o "esforço da raça" ficou, para lembrar Portugal ou a "Guiné Portuguesa". O fervor independentista não se conformou com tamanha herança e volta e meia, lá surgia uma tentativa de arrancar a estátua. Resignados, as autoridades decidiram mudar o nome à praça. Sim, porque, como se não bastasse, o nome é ainda mais colonialista do que a imponente figura de mármore. "Praça do Império". Nem mais. Num ímpeto libertador, as autoridades mudaram o nome para "Praça dos Heróis Nacionais". Ora toma!
Mas quando me recordo desta praça, não me vêm à memória as perturbações que o nome do jardim e da estátua que nela repousa causaram - ou causam - às autoridades guineenses. Até porque não vejo mal nenhum em preservar uma referência histórica, exorcisados que parecem estar os fantasmas das agruras que no passado opuseram os dois países. O que me recorda a Praça do Império é a minha infância. Os meus amigos e as tardes de Domingo. Todos os Domingos à tarde, acompanhados pelos irmãos mais graúdos ou primos, ou tias, lá estávamos. Com a nossa roupinha mais bonita, arranjadinhos, os cabelos bem penteados e a alegria de reencontrar os amigos da escola e do nosso bairro. Era um acontecimento único. Aquela praça, geometricamente traçada em círculo, enchia-se de magia. De gente jovem e bonita. Crianças que brincavam livremente pelos verdejantes jardins embelezados com roseiras e outras flores tropicais de cores quentes. Conseguir trepar as bancadas da estátua da "Maria da Fonte" era um desafio que tinha que ser concretizado todos os domingos, era uma espécie de prova de bravura perante os olhares atentos das namoradas. Namoradas! Pois é, foi na Praça do Império que conheci a minha primeira namorada. Ainda me lembro como se fosse hoje. Ela tinha os olhos mais lindos que jamais vira. Olhos cor de mar em calmaria. Naquele domingo, ela trazia um vestido azul bébé. Nos longos caracóis tinha um laço também azul, mais carregado. Tudo a combinar com aqueles olhos cor de mar em calmaria. Não eramos estranhos. Na verdade os nossos pais eram amigos. Frequentávamos a casa um do outro. Mas foi na Praça do Império, apoiado pelas encorajadoras palavras do meu irmão mais velho (que andava com os olhos na prima da minha princesa) que disse, pela primeira vez à Mónica o quanto batia o meu coração de cada vez que nos encontravamos em mais uma volta à praça circular. Ela sorriu. (Nunca mais voltei a ver um sorriso tão puro). Ao cair da noite, na hora de partirmos, com as tias a atormentarem-nos, ela aproximou-se e beijou os meus lábios. Num beijo tão inocente, tão puro e tão doce que ainda o trago ancorado na memória. Enquanto isso, o meu irmão trocava juras de amor inocente com a Layla, a prima da Mónica. Mais ao longe, o Bruno, o Rui, o Osvaldo e o Patrick brincavam ao "apanha lenço", para tormento das mães e tias que não se cansavam de repetir que estava na hora do regresso à casa. Esta é a recordação que trago na alma quando me lembro da "Praça do Império". Tudo isto foi há muitos anos. Hoje, esta Praça é um jardim triste, com os canteiros secos de flores, os bancos a cairem de podre e um ar abandonado. Foi há pouco tempo, a última vez que me vi parado, bem junto à estátua da "Maria da Fonte", na praça da minha infância. Não muito longe, no que já fora um dos canteiros mais floridos da Praça, um bode comia restos de ervas daninhas. Numa das bancadas da estátua dormia um homem trajado de luto. À minha volta aterrou um silêncio pesaroso. E de repente pareceu-me ver o jardim lindo e cheio de gente. As luzes de várias cores e as crianças e adultos numa tarde de domingo. Mais ao longe, o Bruno, o Rui, o Osvaldo e o Patrick brincavam ao "apanha lenço", para tormento das mães e tias que não se cansavam de repetir que estava na hora do regresso à casa. A Mónica vinha de mãos dadas com a prima Layla. Ao meu lado, o meu irmão sussurou-me: "vai, é agora. Diz-lhe o quanto gostas dela". Disse.
Waldir Araújo
Mas quando me recordo desta praça, não me vêm à memória as perturbações que o nome do jardim e da estátua que nela repousa causaram - ou causam - às autoridades guineenses. Até porque não vejo mal nenhum em preservar uma referência histórica, exorcisados que parecem estar os fantasmas das agruras que no passado opuseram os dois países. O que me recorda a Praça do Império é a minha infância. Os meus amigos e as tardes de Domingo. Todos os Domingos à tarde, acompanhados pelos irmãos mais graúdos ou primos, ou tias, lá estávamos. Com a nossa roupinha mais bonita, arranjadinhos, os cabelos bem penteados e a alegria de reencontrar os amigos da escola e do nosso bairro. Era um acontecimento único. Aquela praça, geometricamente traçada em círculo, enchia-se de magia. De gente jovem e bonita. Crianças que brincavam livremente pelos verdejantes jardins embelezados com roseiras e outras flores tropicais de cores quentes. Conseguir trepar as bancadas da estátua da "Maria da Fonte" era um desafio que tinha que ser concretizado todos os domingos, era uma espécie de prova de bravura perante os olhares atentos das namoradas. Namoradas! Pois é, foi na Praça do Império que conheci a minha primeira namorada. Ainda me lembro como se fosse hoje. Ela tinha os olhos mais lindos que jamais vira. Olhos cor de mar em calmaria. Naquele domingo, ela trazia um vestido azul bébé. Nos longos caracóis tinha um laço também azul, mais carregado. Tudo a combinar com aqueles olhos cor de mar em calmaria. Não eramos estranhos. Na verdade os nossos pais eram amigos. Frequentávamos a casa um do outro. Mas foi na Praça do Império, apoiado pelas encorajadoras palavras do meu irmão mais velho (que andava com os olhos na prima da minha princesa) que disse, pela primeira vez à Mónica o quanto batia o meu coração de cada vez que nos encontravamos em mais uma volta à praça circular. Ela sorriu. (Nunca mais voltei a ver um sorriso tão puro). Ao cair da noite, na hora de partirmos, com as tias a atormentarem-nos, ela aproximou-se e beijou os meus lábios. Num beijo tão inocente, tão puro e tão doce que ainda o trago ancorado na memória. Enquanto isso, o meu irmão trocava juras de amor inocente com a Layla, a prima da Mónica. Mais ao longe, o Bruno, o Rui, o Osvaldo e o Patrick brincavam ao "apanha lenço", para tormento das mães e tias que não se cansavam de repetir que estava na hora do regresso à casa. Esta é a recordação que trago na alma quando me lembro da "Praça do Império". Tudo isto foi há muitos anos. Hoje, esta Praça é um jardim triste, com os canteiros secos de flores, os bancos a cairem de podre e um ar abandonado. Foi há pouco tempo, a última vez que me vi parado, bem junto à estátua da "Maria da Fonte", na praça da minha infância. Não muito longe, no que já fora um dos canteiros mais floridos da Praça, um bode comia restos de ervas daninhas. Numa das bancadas da estátua dormia um homem trajado de luto. À minha volta aterrou um silêncio pesaroso. E de repente pareceu-me ver o jardim lindo e cheio de gente. As luzes de várias cores e as crianças e adultos numa tarde de domingo. Mais ao longe, o Bruno, o Rui, o Osvaldo e o Patrick brincavam ao "apanha lenço", para tormento das mães e tias que não se cansavam de repetir que estava na hora do regresso à casa. A Mónica vinha de mãos dadas com a prima Layla. Ao meu lado, o meu irmão sussurou-me: "vai, é agora. Diz-lhe o quanto gostas dela". Disse.
Waldir Araújo
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