Tuesday, July 10, 2007

Noite Branca

A Noite vinha disfarçada. Trazia vestido o Dia e no lugar dos brincos trazia colares de Sol. Quando chegou, a Noite usou os trovões e os relâmpagos para fingir ser Dia. Tudo isto porque eu sou o Tempo. E a noite teme o tempo. O tempo que não pára de acabar com a noite, que se transforma em madrugada e depois em dia, que por sua vez dá lugar à tarde que logo, logo, cai na noite.
Encontrava-me bastante ocupado, quando me informaram que a Noite – mal disfarçada – queria falar-me. Como sou o Tempo, não tardei em atender a Noite... – ÓTempo, suplico-te: deixa-me perdurar mais. É curta a minha existência, porque me queres mal e bem ao Dia? Porque morres de amores por “ele” e a mim desdenhas?
Sorri e retorqui: – Ó Noite, não digas disparates, todos têm a sua quota parte e eu, como Tempo, procuro que todos gozem de um bom período de vida. Todos parecem contentes, és a única a queixar, como sempre.
A noite deu uma volta mostrando as esbeltas pernas e rematou: Sim, tempo, sou a única louca, desenfreada e com vontade de viver. Os que me amam, entregam-se sem tréguas nas minhas entranhas. É à noite que toda a magia acontece, a vida só é vida quando cai em mim. Sou a rainha dos boémios, a chama dos amantes, a vida para além do dia. Mas não chega. Quero mais, pois é curta essa vida nocturna que termina com a madrugada. E os que me frequentam voltam tristes para o dia, aguardando a minha nova chegada .
Depois de algum silêncio olhei para “ela” e questionei: “Então, mas e se o Dia decidir reclamar o mesmo? A Noite riu-se: o Dia? O Dia cansa-se facilmente, lamenta-se, trabalha muito e não se diverte. “Ele” quer é que lhe tires mais algum tempo, para poder descansar. Enquanto eu, ó Tempo, eu clamo um pouco mais de ti, para que o meu estado de breu se estenda mais, alimentando os que já não vivem sem mim.” Acenei com a cabeça em sinal de desacordo e provoquei mais uma vez a Noite: - Pois é, qualquer dia apareces e pedes-me para inventar um eclipse eterno, para que não mais amanheça, em que tudo se transforme em nocturna prisioneira. Já pensaste no que seria de nós? Eu mesmo deixaria de fazer sentido. Para quê existir Tempo sem os fluxos normais para contabilizar?
A noite soltou uma longa gargalhada: -Isso seria óptimo mas é pedir demais. Dá-me só mais tempo de vida, ó Tempo.
-Mas, Noite, mão me parece que mereças mais Tempo, pois acabaste de gastar muito comigo nessa conversa fiada. Já viste que está quase a amanhecer e não viveste esta noite?
A Noite lançou-me um olhar odioso e com as mãos na cabeça desapareceu por entre o nevoeiro da anunciada madrugada. Zangada de morta, a Noite nunca mais apareceu até hoje.
Sobre mim caíram as mais inusitadas acusações. O Dia, no lugar de contente, pede folga e não quer mais alongar. Os noctívagos entraram em tamanha depressão que nunca mais acordaram de um prolongado sono. Eu, Tempo, perdi o Norte e busco agora a Noite, que desaparecera de cena. Caprichosa, deve passar mais algum tempo ausente. Tudo, para nos lembrar que fazemos parte do mesmo jogo. E um bom jogo não se pratica sem parceiros.
Waldir Araújo